sexta-feira, 20 de março de 2009

Te encontro no Dois


A ideia foi do Felippe: tomar um caldinho de feijão naquele bar de pedra próximo à praça. Pra rebater a friagem. No início resisti, não estava a fim de um ou dois feijões boiando sobre um pote de água quente com coloração de enxurrada.

O ambiente era aconchegante. Mesas, cadeiras e tudo mais de pedra, pra variar. Mas muito funcional e elegante. Solicitado o pedido, iniciava-se aquele tipo de conversa inútil que se dá no intervalo, às vezes longínquo, entre a solicitação e a chegada do prato.

Na televisão rolava um show da recente formação dos Doors (Se estivesse morto, Jim Morrison estaria se contorcendo na cova naquela hora). Na mesa ao lado, um sujeito com ar de rabugento reclamava da demora de seu lanche a meio tom e resmungava sobre a vida para seus próprios botões.

Por fim aquele caldeirão de bruxa em miniatura estava diante de nós. Como em quase tudo na vida, a prática se mostrou distinta da teoria. De caldinho não havia nada: havia sim um consistente e delicioso caldo cujo fundo estava repleto de pedaços de bacon e na superfície flutuava salsinha. Para o acompanhamento torradas de ontem, mas tá valendo. “Bem servido”, diria o Felippe.

Em algum momento, uma constatação simultânea correu o bar e alguns notaram – inclusive nós e o senhor rabujento – que os Doors repetiam a introdução de Break On Through pela enésima vez. O estado mental alterado da maioria dos presentes não permitiu que a percepção fosse unânime. A convergência com nosso vizinho foi espontânea desaguando em risos nos dois lados. Culpa do dvd dos Doors que estava enroscado no menu já havia algum tempo.

Cumprido o ato digestivo, partimos para a rua acompanhados pela frase “Encontro vocês no Dois” proferida pelo nosso colega cujo lanche ainda não havia chegado. “Bêbado maluco” ou “maldito maconheiro” teríamos pensado caso não fossemos pessoas de bem.

Na noite seguinte me incumbi da tarefa de forçar a barra para que restituíssemos o itinerário do caldinho, mesmo diante da acusação de plágio levantada pelo Felippe. Qual foi nossa surpresa ao constatar que sujeito estava lá de novo, assim como nós, na mesma mesa do dia anterior a resmungar demonstrando a pouca ou nenhuma sobriedade que lhe restava. “Encontro vocês no Dois”, disse ele novamente na despedida. O meu estado mental alterado não permitiu que eu constatasse se o dvd que rolava na ocasião enroscara ou não.

sábado, 10 de janeiro de 2009

Desacordo Ortográfico



Obs: Este texto pode conter palavras no português arcaico.

As mudanças trazidas pelo Acordo Ortográfico têm me deixado de cabelo em pé. Tudo bem que a língua é dinâmica, sofre alterações e tal, porém a novidade está contribuindo para extirpar de vez a minha sempre fraca aptidão para a escrita.

Concordo que escrever voismecê é pra lá de furado. Mas derrubar o uso do trema, esse sinalzinho tão inofensivo e até elegante, é realmente necessário? E por que só derrubar o acento agudo dos ditongos abertos ei e oi das palavras paroxítonas? Como posso ficar tranqüilo, ou melhor, tranquilo ao escrever um texto para expor minhas toscas idéias com tudo isso?

Logo agora que eu pensava em escrever uma epopeia, algo bem heroico, projeto já abortado em função da paranoia trazida pelo acordo. Tenho cá comigo a impressão que os inventores dessas mudanças rolam de rir com o transtorno que irão causar em nossas cabeças.

Outro obstáculo é a correção ortográfica do Word. Se já não bastassem as alterações, ainda tenho que me preocupar com aquele simpático bichinho que insiste em manchar o meu texto de verde. Se antes ele estava quase sempre errado, agora fico cheio de dúvidas.

A minha ânsia agora é, o mais rápido possível, encontrar um editor de textos que já reconheça as novidades. Quem sabe assim eu volte a escrever parcas linhas de tempos em tempos.